Participação do BIOSS-Lab na FAPESP Interdisciplinary School 2025
Entre os dias 1 e 5 de dezembro de 2025, o BIOSS-Lab participou da FAPESP Interdisciplinary School – Humanities, Social Sciences and Arts, realizada no Instituto Principia, em São Paulo. Durante o evento, João Paulo Gugliotti apresentou a pesquisa “Does Science Blame Mothers? Gestational Smoking and Risk Paradigms in Life-Course Epidemiology”, co-produzida com as pesquisadoras Paola Soledad Mosquera e Alicia Matijasevich, que integra nossas investigações sobre gênero, saúde pública e práticas científicas.
Nas últimas décadas, o campo conhecido como DOHaD (Developmental Origins of Health and Disease) ganhou centralidade ao sugerir que exposições precoces — sobretudo durante a gestação — moldam a saúde ao longo da vida. Essa mudança deslocou o foco da epidemiologia para o período fetal, aproximando comportamentos maternos dos riscos futuros na saúde da prole. Porém, esse movimento também trouxe um efeito colateral importante: uma crescente tendência a responsabilizar mulheres, muitas vezes isoladamente, por desfechos fortemente marcados por determinantes sociais.
FAPESP Interdisciplinary School –
Humanities, Social Sciences and Arts.
– João Paulo Gugliotti apresentando na seção Pitch os resultados preliminares do estudo.
São Paulo, dez./2025.
Em nossa apresentação, debatemos os resultados de uma revisão crítica de 10 estudos de coorte brasileiros, publicados entre 2019 e 2024, que investigaram os efeitos do tabagismo gestacional sobre diferentes desfechos na infância, adolescência e vida adulta. As coortes analisadas — como Pelotas, BRISA, Colombo-PR e Nascer no Brasil — identificam associações adversas recorrentes, como maior risco de ansiedade e depressão na juventude, trajetórias de crescimento reduzidas, introdução precoce de alimentação complementar e aumento de eventos de neonatal near miss.
Mas, para além da confirmação dessas associações, nossa análise identificou três padrões que merecem atenção:
1. Centralidade persistente do corpo materno
A maioria dos estudos concentra-se no papel biológico da mãe como principal “vetor” de risco. O tabagismo paterno aparece pontualmente, quase sempre como variável comparativa, enquanto pais, familiares e redes de apoio são raramente explorados. Essa assimetria reforça uma lógica de causalidade exclusivamente matrilinear, que recai de modo desproporcional sobre as mulheres.
2. Baixa integração de determinantes sociais
Aspectos como pobreza, insegurança alimentar, raça, violência, condições de trabalho e suporte institucional aparecem pouco nas análises. Assim, as razões que levam mulheres — especialmente as mais vulneráveis — a fumar durante a gestação permanecem pouco discutidas, e as desigualdades estruturais ficam invisíveis nos modelos explicativos. Esse foco comportamental, ao ser isolado do contexto, contribui para o que chamamos de maternalismo científico: a tendência de atribuir às mães responsabilidades excessivas por fenômenos que são sociais antes de serem biológicos.
3. Ausência de recomendações estruturais
Embora os artigos reafirmem os efeitos nocivos do tabagismo gestacional, poucos avançam em propostas de políticas públicas mais amplas. Faltam sugestões de ações em atenção pré-natal, proteção social, equidade de gênero ou apoio comunitário — elementos necessários para enfrentar as condições que moldam os comportamentos de risco.
Com base nessa revisão, sugerimos três direções para aprimorar a produção científica e suas repercussões em políticas públicas:
Incorporar sistematicamente determinantes socioeconômicos e políticos nos modelos epidemiológicos;
Ampliar o foco analítico para além da figura materna, incluindo pais, avós e redes de apoio;
Fortalecer a tradução do conhecimento epidemiológico em ações estruturais, evitando que a pesquisa contribua involuntariamente para a culpabilização materna.
Em síntese, propomos deslocar a pergunta: de “O que a mãe fez ou deixou de fazer?” para “Em que condições sociais essa gestante e sua família vivem?”. Somente com esse olhar ampliado poderemos promover políticas públicas mais justas, sensíveis ao contexto e alinhadas aos princípios da justiça reprodutiva e do cuidado integral.