"Paciente Zero": história do termo no contexto da AIDS
O termo “paciente zero” tem uma história notável — e controversa — no contexto da epidemia de HIV/AIDS, especialmente por sua associação com Gaëtan Dugas, um comissário de bordo canadense que foi incorretamente retratado como o responsável pela introdução do HIV na América do Norte. Essa narrativa se originou principalmente de uma interpretação equivocada de dados epidemiológicos e foi amplamente popularizada por um livro de 1987 chamado And the Band Played On, de Randy Shilts.
A origem do termo “paciente zero” data de uma investigação dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC) no início dos anos 1980. Os pesquisadores estavam tentando mapear os primeiros casos de AIDS nos EUA e traçar conexões entre eles. Em um estudo de 1984, Gaëtan Dugas foi rotulado como “Patient O” (a letra “O” de “Outside of California”), indicando que ele era um paciente de fora da área de estudo central (Califórnia). No entanto, essa letra “O” foi interpretada erroneamente como o número “0” — zero — e assim nasceu o mito do “paciente zero”.
Dugas cooperou com as autoridades de saúde, fornecendo informações detalhadas sobre seus parceiros sexuais, o que ajudou os pesquisadores a mapear uma rede de transmissão precoce do HIV. No entanto, ele acabou sendo injustamente transformado em um vilão público, acusado de ser o “responsável” pela introdução do vírus nos EUA. A mídia e o livro de Shilts reforçaram essa imagem, apesar de não haver nenhuma evidência científica de que Dugas foi o primeiro caso de HIV nos Estados Unidos.
Estudos genéticos posteriores, particularmente um estudo de 2016 que analisou amostras de sangue arquivadas de pacientes dos anos 1970, mostraram que o HIV já estava presente em Nova York por volta de 1970, bem antes da chegada de Dugas ao cenário epidemiológico. O caso de Gaëtan Dugas e o termo “paciente zero” se tornaram um exemplo clássico de como erros de interpretação e sensacionalismo midiático podem criar mitos duradouros e estigmatizar indivíduos injustamente.
Atualmente, muitos especialistas consideram inadequado usar o termo “paciente zero”, dada sua carga estigmatizante e imprecisão científica.
Se você quer entender melhor essa história, recomendamos duas leituras essenciais:
"Patient Zero and the Making of the AIDS Epidemic", livro do historiador da ciência Richard McKay – uma análise profunda na origem do termo e seus impactos.
"'Reservatórios de doenças venéreas', 'MSM/HSH' e 'PWA'", artigo de João Paulo Gugliotti e Richard Miskolci, publicado na revista Ciência & Saúde Coletiva – que discute como certos grupos são injustamente vistos como fontes de doenças.